Os discípulos de Emaús, diz a Palavra de Deus (Lc 24, 13-35), “estavam como que cegos”, pois tinham Jesus ao seu lado, mas não o reconheciam. O Cristo ressuscitado é discreto e por vezes no barulho de nossas dores passa despercebido. São Lucas relata que eles “conversavam sobre todas as coisas que tinham acontecido” (14), certamente lamentavam a morte de sua esperança na cruz. O Jesus que, como um farol, havia apontado um sentido para suas vidas se foi e já não há como discernir o caminho da margem em meio a tanta escuridão.
O trajeto de onze quilômetros até o povoado de Emaús era longo, arrastado, já não se tinha aonde chegar. O que havia de mais precioso tinha sido arrancado de seus corações. Um estranho aparece e a sua desinformação chega a indignar, “Tu és o único peregrino em Jerusalém que não sabe o que lá aconteceu nestes últimos dias?” (18). Mas para esse desconhecido, que para nós é clara a sua identidade, o que havia acontecido já não importava, pois todo o sofrimento havia sido superado naquele dia. O Rei ressuscitou e os seus infiéis discípulos não o reconheciam.
Dentro de nossas casas, por vezes, vivemos a experiência do caminho de Emaús. Uma trajetória que trilhamos de cabeça baixa, atentos às pedras que estão no caminho. As lamentações por sofrimentos inevitáveis são recorrentes e nos impedimos de olhar para Aquele que se atenta para a nossa dor: “Que ides conversando pelo caminho?” (17).
Entretanto, se outrora as dificuldades recaíram sobre nossa família, o Cristo ressuscitado nos dá a oportunidade de convidá-lo para entrar. “Fica conosco, pois já é tarde e a noite vem chegando!” (29). O convite não procede da necessidade de Cristo, pelo contrário, é o medo dos discípulos de permanecer na escuridão. A noite chegará, isso é inevitável, mas assim como eles, podemos optar por termos Jesus a iluminar nosso lar.
Talvez, no início não consigamos ver grandes coisas, porém, se nos permitirmos entrar em Sua intimidade e partilhar com Ele – “e sentou à mesa com
eles, tomou o pão, abençoou-o, partiu-o e lhes distribuía” – poderemos enxergá-lo na noite – “Nisso os olhos dos discípulos se abriram e eles reconheceram Jesus”.
Atentemo-nos para o fato de que a cruz é o caminho para a vida. Logo, se os sofrimentos familiares são o nosso maior Calvário é porque ali é o lugar onde emana mais vida. E Ele é a Vida (Jo 14, 16)!
Na missa do domingo de Páscoa somos convidados pela Liturgia a rezar o seguinte verso na Sequência: “Responde, pois, ó Maria: no teu caminho o que havia?”. Com o intuito de iluminar a escuridão de nosso lar. Que possamos responder, assim como Maria Madalena, a cada vez que entrarmos em casa: “Vi Cristo ressuscitado, o túmulo abandonado”.
Vicente Jr